CANAÃ DOS CARAJÁS (PA): um exemplar da urbanização contemporânea na Amazônia?
Sara Brigida Farias Ferreira, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM), mestranda, UNIFESSPA, sarafarias@unifesspa.edu.br.
Nathália Canêdo de Lima Silva, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM), mestranda, UNIFESSPA, nathaliacanedo@unifesspa.edu.br.
Antônia Larissa Alves Oliveira, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM), mestranda, UNIFESSPA, larissaalves@unifesspa.edu.br.
Rafael Gonçalves Gumiero, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM), docente, orientador, UNIFESSPA, gumiero@unifesspa.edu.br.
INTRODUÇÃO
O presente estudo inicia uma discussão acerca da urbanização contemporânea amazônica tomando Canaã dos Carajás como observatório. A presença das ações do capital por meio de uma escala global transformou uma cidade predominantemente agrícola e com baixa densidade demográfica, em uma região urbana com um aumento populacional repentino e transformações urbanas que antes não poderiam ser cogitadas para a região na forma em que ela se encontrava. Posteriormente, houve um esvaziamento da cidade que deixou muitas sequelas sociais como intensificação das desigualdades e grupos segregados. Tudo isso, pela forma como a mineração e o poder público atuaram e gestaram a cidade.
Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho consiste em levantar breves considerações acerca da urbanização contemporânea a partir de Carajás. A metodologia empregada é a pesquisa bibliográfica, uma vez que se utilizou autores como Monte-Mór e Ana Claudia Cardoso, tendo esta produzido estudos científicos sobre a cidade de acordo com as suas pesquisas empíricas. Considerando as particularidades amazônicas, conclui-se que Canaã dos Carajás fomenta a discussão sobre a urbanização extensiva e a necessidade de construção de políticas públicas para o desenvolvimento amazônico com o apoio da elaboração das tipologias rurais.
URBANIZAÇÃO EXTENSIVA, TIPOLOGIAS RURAIS E CANAÃ DOS CARAJÁS
Estudos acerca dos processos de urbanização, numa escala conceitual da questão, têm sido desafiadores devido à natureza complexa e multifacetada do problema. Mais complexo ainda se tornam as definições nos quadros conceituais contemporâneos quando se trata de diferenciar o que é rural e o que é urbano. O fato é que chegamos ao momento em que a diversidade de fenômenos relacionados ao urbano se intersecciona ao rural, chegando por vezes a atravessar e fazer explodir a antiga divisão entre urbano e rural (BRENNER, 2014).
No caso da realidade amazônica, houve, e ainda há, profundas transformações e contradições em diversas escalas de análise que tornam difícil compreender o fenômeno urbano amazônico. O fato é que segundo os dados do último censo, 80% da população amazônica residia em cidades (IBGE, 2010). E é justamente essas cidades que passam a assumir diferentes redefinições e ressignificações dos seus espaços urbano-rurais, principalmente através da atuação dos diversos agentes que produzem e reproduzem esses espaços.
Nesse sentido, nasce a questão: seria Canãa do Carajás um exemplar da urbanização contemporânea? Cardoso, Cândido e Melo (2018) acreditam que sim e vão além, para eles, essa cidade localizada no sudeste paraense pode ser considerado um grande laboratório do processo de urbanização contemporânea na Amazônia. Como forma de ampliar o debate, discorreremos brevemente sobre alguns fatores que podem justificar essa leitura.
Primeiro, compreendemos que a formação, atuação e vivência do município é marcada por articulações entre cidades médias e pequenas além de uma infinidade de tipologias rurais que de uma maneira ou de outra tem suas formas de uso e ocupação do solo influenciadas pelas atividades econômicas de dinâmicas globais como é o caso da agropecuária e de forma contemporânea, a mineração.
Os efeitos da mineração na região, desde meados dos anos 2000, abrem margem para a reflexão acerca de questões como as tipologias rurais e o fenômeno da urbanização extensiva. Ambas são diretamente ligadas ao modelo de desenvolvimento, porém a primeira, as tipologias rurais, trata da inexistência de uma divisão entre o urbano e o rural por conta de uma constante articulação entre os dois, o que os fazem conectados. Já a segunda é uma compreensão lefebvriana de que há um processo contemporâneo de urbanização que estaria produzindo uma estrutura de abrangência planetária.
No caso das tipologias rurais, Bitoun et al (2017) apontam que não há espaço para delimitações precisas que definam com precisão a divisão entre campo e cidade, uma vez que o que acontece em um afeta o outro, o que faz com que ocorra uma interação entre eles. Em relação a Canaã dos Carajás, isso é capaz de explicar como o advento da mineração causou transformações intensas em todos os espaços municipais, inclusive fomentando a especulação imobiliária e a exclusão socioeconômica de pequenos agricultores familiares (CARDOSO; CÂNDIDO; MELO, 2018).
Essa dissociação entre o urbano e o rural, apreendida no contexto de Canaã do Carajás também pode ser analisada por meio do conceito de urbanização extensiva apresentado por Monte-Mór (2006). Conforme o autor, existe uma ressignificação da sociedade a partir do urbano, uma vez que este ultrapassa os limites estabelecidos pelas legislações que define perímetros, e adentra em esferas rurais transformando o modo de vida das populações. Essa articulação pode ser exemplificada por meio das atividades mineradoras de cunho global, direcionadas à exportação, que modificaram um espaço que antes era predominantemente agrícola. Além de atrair um grande contingente de trabalhadores para a cidade, ocasionou transformações nas formas de uso da terra, transformando-a de acordo com a financeirização que, por sua vez, fomentou a especulação imobiliária, provocou novos hábitos de consumo e direcionou investimentos.
Sendo assim, a urbanização deve ser interpretada e compreendida para além da transformação física que a cidade sofreu. As mudanças concretizadas no município vão além da ampliação e intensificação de uma paisagem urbana, sendo materializadas também na reconfiguração do modo de vida da população nos aspectos sociais, econômicos e culturais. Essa compreensão, aliada à produção de tipologias rurais para compreender os aspectos territoriais regionais específicos, é capaz de determinar os fenômenos de acordo com as escalas em que eles ocorrem e influenciam na configuração do espaço e como as interações se articulam.
Alguns dados socioeconômicos são apresentados para evidenciar tais transformações, que não necessariamente são positivos. Dados do Censo evidenciam que uma dessas transformações, impulsionadas pela mineração, foi o aumento substancial (428%) da população urbana passando de 3.924 pessoas em 2000 para 20.727 em 2010. Por outro lado, a população rural teve uma redução de 14% nesses 10 anos. Além disso, outro efeito da dinâmica global é o aumento da desigualdade de renda no município. Os índices de desigualdade de renda evidenciam que a desigualdade em 2010 é pior que a de 1991. Ainda, a renda apropriada pelos 40% mais pobres corresponde a apenas 9,8% da renda do município em 2010. (ATLAS BRASIL, 2019).
Dados recentes do Cadastros Único (CadÚnico) mostram que o número de pessoas na extrema pobreza (com renda mensal de até 70 reais mensal) vem aumentado no município. Em 2017, havia um pouco mais de 9 mil pessoas na extrema pobreza, em 2020 existe mais de 12.500 pessoas nessa condição, um aumento de 39% (CADÚNICO, 2020). Levando em consideração a estimativa do número de habitantes para o ano de 2020 (38.103), os extremamente pobres representam 42% da população total (IBGE, 2020). Percentual bastante expressivo e contraditório, tendo em vista que ao mesmo ao tempo que o município tem se tornado mais rico, em termos de PIB, Exportações, Arrecadação Fiscal, a sua população tem se tornado mais pobre.
De fato, a natureza escalar entra no centro do debate. O fato de um pequeno município no sudeste paraense fazer conexão direta ao mercado internacional traz consigo também questões sobre como essas novas configurações territoriais ocorrem na contemporaneidade. Aqui a urbanização extensiva parece ganhar ainda mais força na medida em que se percebe que articulações globais por vezes tem muito mais importância do que contextos regionais ou nacionais. Tais transformações e essa expansão do urbano para além dos limites impostos pelas legislações, criam novas tipologias rurais, as quais merecem atenção e detalhamento de suas especificidades com a finalidade de produção de políticas públicas mais adequadas e, por consequência, que melhor alcancem os objetivos propostos.
Há que ressaltar que as transformações percebidas não tiveram uma ampla e irrestrita abrangência, e que a riqueza gerada pela mineração por exemplo não levou melhorias para a qualidade de vida de toda a população. Isto culminou em grupos excluídos como os pequenos agricultores urbanos, os artesãos, os extrativistas e os feirantes, que necessitaram dar continuidade as suas atividades, na contramão da lógica capitalista imposta, como forma de sobrevivência. Estas pessoas foram sujeitadas a processos de exclusão por não terem sido contempladas pela ação das políticas públicas dirigidas ao município, uma vez que os esforços estavam voltados para as atividades nas minas (CARDOSO; CÂNDIDO; MELO, 2018).
Desta forma, é preciso que sejam elaboradas representações imateriais que consigam traduzir as novas questões que surgiram entre os espaços sociais, econômicos e culturais, para que sejam definidas políticas públicas capazes de promover um estado de bem-estar que proporcione um espaço mais igualitário. As situações evidenciadas como novidades no cenário de Canaã dos Carajás não precisam ser categorizadas necessariamente como inéditas, pois podem ser fruto de uma reformulação ocorrida pela ação do movimento capitalista. De qualquer forma, a busca por uma menor desigualdade de classes consiste em conhecer de maneira mais especificada quais as peculiaridades contidas entre espaços distintos.
O fato é que as reorganizações socioespaciais têm sido meio e fim das mudanças político-econômicas fomentadas pelo capitalismo mundial nessa primeira metade do século XXI. Mas o debate não se esgota e fica aberto para muitos questionamentos e desafios, principalmente sobre como tratar essas novas categorias de análise que se apresentam fruto tanto da teoria quanto da prática e da vida cotidiana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transformações ocorridas em Canaã dos Carajás demonstraram que as alterações contemporâneas na Amazônia, provocam uma dinâmica de transformação que abre margem para o questionamento sobre o desenvolvimento sustentável na região. Sendo assim, justificam-se os estudos que versam acerca dos impactos da urbanização extensiva fomentada pelas relações exteriores mantidas com o município, por conta das suas riquezas naturais, e as pesquisas aprofundadas para a elaboração de tipologias rurais.
Somente por meio de uma análise aprofundada dos fenômenos transformadores tanto de paisagens quanto de relações sociais, é possível listar e mapear realidades inéditas e as que já existiam, mas foram transformadas, de forma a atingir um desenvolvimento que proporcione maior igualdade e que beneficie o local onde as trocas acontecem. Isto também figura como um importante passo para que a Amazônia seja interpretada como lócus de preservação e desenvolvimento sustentável, rejeitando a ideia de uma exploração disfarçada de produção de riquezas para a região.
REFERÊNCIAS
ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasil, 2020. Disponível em: < http://www.atlasbrasil.org.br/>. Acesso em 27 de outubro de 2020.
BITOUN, Jan. et al. Tipologia regionalizada dos espaços rurais brasileiros. In: MIRANDA, Carlos. (org). Tipologia Regionalizada dos Espaços Rurais Brasileiros: implicações no marco jurídico e nas políticas públicas. Brasilia: IICA, 2017.
CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; CANDIDO, Lucas Souto; MELO, Ana Carolina Campos de. Canaã dos Carajás: um laboratório sobre as circunstâncias da urbanização, na periferia global e no alvorecer do século XXI. Rev. Bras. Estud. Urbanos Reg., São Paulo, v. 20, n. 1, p. 121-140, Abril de 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-15292018000100121&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 de outubro de 2020.
CADASTRO ÚNICO - CADÚNICO. Dados Socioeconômicos das famílias baixa renda. Disponível em: <https://cecad.cidadania.gov.br/tab_cad.php>. Acesso em 28 de outubro de 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. População residente estimada. 2020. Disponível em:<sidra.ibge.gov.br>. Acesso em 28 de outubro de 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo 2010. 2010. Disponível em:< https://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 25 de outubro de 2020.
MONTE-MÓR, R. L. D. M. O que é urbano no mundo contemporâneo. Revista Paranaense de Desenvolvimento. nº111. Curitiba: IPARDES, 2006.
BRENNER, Neil. Teses sobre a Urbanização. E-metropolis, nº 19, ano 5, dezembro de 2014.
Oi, Sara, Nathália e Antônia. Parabéns pela pesquisa desenvolvida por vocês e pela pertinência das questões colocadas.
ResponderExcluirO texto me fez pensar em outras cidades da Amazônia que também sofrem aspectos parecidos devido a mineração, como Parauapebas e Juriti, ambas no Pará. Assim meu questionamento é se faz parte do interesse de vocês na pesquisa apontar paralelos entre Canaã e essas outras cidades da Amazônia? Se sim, quais seriam essas relações?
Aproveito também para perguntar se foi possível identificar formas de resistência da população rural frente a esse avanço nocivo da mineração no município? Atenciosamente (Luis Lima de Sousa).
Obrigada pela pergunta, Luis Lima de Sousa. Nosso interesse, na verdade, seria evoluir dessa análise local geral para um olhar para as mulheres de Canaã dos Carajás, inclusive já estamos com este outro trabalho em andamento. Estamos investigando a pobreza feminina na região e a produção do espaço. Não chegamos a cogitar as questões que você apresentou, mas acredito que sejam tópicos importantes para aprofundamento do nosso estudo em um outro momento. Obrigada.
ExcluirBom dia!
ResponderExcluirParabéns aos autores da pesquisa e do texto. Entrei muito interessante os processos que vocês relatam.
Tenho uma pergunta de caráter mais teórico. É sobre um comentário que vocês fazem em relação à urbanização extensiva. "Os efeitos da mineração na região, desde meados dos anos 2000, abrem margem para a reflexão acerca de questões como as tipologias rurais e o fenômeno da urbanização extensiva. Ambas são diretamente ligadas ao modelo de desenvolvimento, porém a primeira, as tipologias rurais, trata da inexistência de uma divisão entre o urbano e o rural por conta de uma constante articulação entre os dois, o que os fazem conectados. Já a segunda é uma compreensão lefebvriana de que há um processo contemporâneo de urbanização que estaria produzindo uma estrutura de abrangência planetária."
Gostaria que vocês explicassem melhor qual é a relação entre as tipologias rurais e a mineração e essa suposta desaparição entre o urbano e o rural.
Muito obrigado e parabéns!
Sergio Moreno