NOVAS CONJUNTURAS HABITACIONAIS E TRANSPORTE ALTERNATIVO DE PASSAGEIROS: UMA ANÁLISE DOS RESIDENCIAIS VIVER MELHOR E CIDADÃO MANAUARA 1, MANAUS - AM
Gabriel Augusto Nogueira dos Santos
Universidade Federal do Amazonas/Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas
Ricardo José Batista Nogueira
Universidade Federal do Amazonas
RESUMO: A questão habitacional tem ganhado notoriedade nos últimos anos, principalmente voltadas a questão da diminuição do déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras, além do acesso as classes emergentes ao direito da casa própria. A partir dessa conjuntura, as ofertas de serviços básicos se tornam a questão para os habitantes após a conquista desse direito e o transporte é enfatizado como primordial ao direito de ir e vir. O trabalho em questão é vinculado a análise dos Residenciais Viver Melhor e Cidadão Manauara em Manaus, cujas vinculações ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), baseados na importância do transporte alternativo nessas áreas, a partir da omissão do poder público em promover um transporte eficiente na cidade.
Palavras-Chave: habitação, transporte de passageiros, Manaus, PMCMV;
INTRODUÇÃO
O entendimento sobre o transporte informal ou complementar, é diretamente relacionado com a expansão das grandes cidades. Aliados as questões da crise da mobilidade urbana dos anos 1990 e 2000, podemos destacar esse surgimento com a falha dos grandes empreendimentos de transporte, neste caso, os convencionais, que trabalham sobre as vertentes de licitações e regulações estabelecidas.
No âmbito de Manaus, as fases do transporte alternativo são diferenciadas por fatores urbanos e políticos, cujas atribuições são vinculadas as necessidades trabalhistas e de deslocamento dos usuários do serviço de transporte convencional, este considerado saturado e insuficiente. A partir disso, novos fenômenos nas relações de trabalho e nas demandas de usuários, ocasionou o fortalecimento desse tipo de serviço, ao mesmo tempo que em partes houve um pequeno aspecto regulatório, se tornou omisso conforme os anos.
O trabalho em questão, é oriundo do trabalho de monografia intitulado “Idas e Vindas das Metrópoles Amazônicas: estudo de caso dos Sistemas de Transporte Coletivo de Manaus e Belém”, cujo enfoque é relacionado a organização do sistema de transporte, vinculado aos processos de urbanização na região amazônica e a atuação dos agentes empresariais.
CONTEXTOS DA ATUAÇÃO DO TRANSPORTE ALTERNATIVO EM MANAUS
O transporte alternativo em Manaus, ganhou uma notoriedade importantíssima a partir de 1995. Mamani (2016) relaciona esse surgimento nas grandes cidades a partir das idiossincrasias e transformações no uso do solo. A primeira regulamentação, contou com 120 permissionários autorizados em 1999, no modelo de Kombi-Lotação. A partir de 2004, a obrigatoriedade de uso de micro-ônibus, devido a demanda de passageiros e aliados a consolidação de bairros e novos eixos viários na Zona Leste de Manaus, o sistema foi ganhando novos formatos.
Entre os anos de 2007 a 2014, houve um novo cadastro de permissionários sob o regime de concessão. Castro (2017) destaca nesse sentido a falta de segurança dos cooperados em relação a atuação do poder gestor, o que engloba uma série de conflitos decorrentes de uma precarização posterior da oferta do serviço e do aumento da área de expansão desse tipo de serviço, ocasionado principalmente pela omissão do agente público.
Apesar dessa precarização, durante o trabalho de campo foram contabilizados 259 permissionários, estes divididos em 06 cooperativas do transporte (COOPATAM, COOPTRAM, Manaus COOPER, COOPTAF, COOPTAEM e Amazônia Cooper). Em campo e baseados em Castro (2017), são existentes as seguintes categorias de inserção destes estão previstos na seguinte premissa: carros próprios, aluguel de carros, empréstimos ou a filiação oficial nas cooperativas, na qual se envolvem nas áreas, conforme descrito o mapa abaixo.
Figura 1: Rotas das Cooperativas em Manaus e seus pontos de retorno
Elaborado por: Autores, 2020
O contexto de evolução e aumento dessa tipologia, é caracterizado por uma série de relações de trabalho, desde o permissionário conter seu próprio veículo ao empréstimo mediante pagamento, principalmente alocados em Cooperativas operantes. Com isso, a expansão do modal pela cidade de Manaus, seguiu junto com os fatores de omissão e também, novas necessidades de usuários, principalmente oriundos dos novos projetos habitacionais existentes.
A INAUGURAÇÃO DOS RESIDENCIAIS E A ATUAÇÃO DO TRANSPORTE ALTERNATIVO
Os residenciais que são alvos do estudo, foram construídos a partir do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e entregues entre os anos de 2012 e 2020. A primeira área em questão, foi o Residencial Viver Melhor, localizado no bairro Lago Azul, em que Santos et al (2019) destaca a entrega de 8.895 unidades habitacionais (casas e apartamentos). Já o Residencial Cidadão Manauara 1, localizado no Santa Etelvina, foram entregues cerca de 800 apartamentos em 2017, conforme visto abaixo.
Figura 2: Localização dos Conjuntos e Residenciais em questão
Elaborado por: Autores, 2020
Em primeiro momento, é importante destacar o transporte alternativo informal e posteriormente, regulamentado, como um aspecto essencial para o deslocamento nas zonas mais periféricas da cidade, gerando uma territorialidade em disputa com o transporte convencional. Além disso, a omissão do estado contribui para o fomentar a ordem ‘’ilegal’’ do transporte coletivo na cidade, vinculando as transformações urbanísticas, mesmo planeadas, como um aspecto sem uma ordem oficializada, conforme destaca Costa (2006) e Gustin (2006).
O sentido do ‘’legal’’ e o ‘’ilegal’’ são relacionadas principalmente ao planejamento urbanístico nas suas diversas esferas, implicando diretamente na qualidade do transporte e no acesso as suas tipologias por parte da população, gerando a ineficiência e as reclamações da falta de planejamento da circulação e também do urbano.
Nesse sentido, o “legal” estabelecido pela prefeitura, era a circulação restrita a Zona Leste de Manaus até a região denominada de Rotatória da Suframa, já no Distrito Industrial de Manaus. Ao longo dos anos, as rotas sofreram alterações, culminando na expansão para a Zona Norte, em primeiro momento restrita ao bairro Nova Cidade e a partir de 2014, conforme destaca Castro (2017), chegando ao Shopping Via Norte e posteriormente aos residenciais em questão.
No âmbito de prestação de serviços, o Residencial Viver Melhor conta com um panorama desde a sua inauguração, com a presença das empresas Açaí e Rondônia na operação de linhas com destino a área central (Terminal 1 e 2) e os terminais de integração das Zonas Norte e Leste (Terminais 3 e 4). O Alternativo, que chegou ao Residencial por volta de 2016, apesar da disputa com o convencional, ainda proporciona vantagens, pela rapidez e quantitativo de frotas em um curto espaço de tempo, mesmo que para isso, como destaca Castro (2017), os permissionários se utilizem do descumprimento de normativas de trânsito e sem as delimitações de horários.
O caso do Residencial Cidadão Manauara, ainda é um caso particular de uma predominância do serviço alternativo. Como não há uma previsão do transporte convencional chegar ao local e a distância, para a via principal, conforme relatam os moradores da região ultrapassa os 1,2 quilômetros, favoreceu o fortalecimento do mesmo conforme as necessidades dos usuários na região, contando inclusive, com um terminal improvisado para o abrigo.
Com isso, ambos os conjuntos, além da oferta, se tornaram Polos Geradores de Viagem, também denominados Polos Geradores de Tráfego. Segundo Mendes e Sorratini (2010), esses polos são empreendimentos que produzem um aumento no número de viagens, tanto em atração, quanto em produção, impactando diretamente os eixos viários. No âmbito do Transporte Alternativo, os polos de origem e destino se diferem, principalmente pelas delimitações dos usuários, tendo como ponto de partida, os conjuntos em questão, mas diferenciados pelo retorno, a partir da tabulação posterior vista.
Quadro 1: Origem e Destino do Transporte Alternativo em Manaus
Elaborado por: Autores, 2020, com base em Castro (2017) e trabalhos de campo realizados
Com essa configuração, é importante destacar a atuação do transporte alternativo a “luz” da necessidade dos usuários, sem uma viabilidade técnica e operacional por parte do órgão regulador. Nesse sentido, a atuação do transporte alternativo ganha uma configuração necessária de “legal”, a partir das primeiras conjunturas, mas sem uma seguridade jurídica e técnica de expansão desse sistema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos anos, a cidade de Manaus sofre com a omissão relacionada aos permissionários do transporte alternativo e a falta de seguridade jurídica vinculada a este sistema e ao convencional. É importante destacar nesse sentido, o transporte como direito social e serviço essencial, assim contribuindo para o deslocar da cidade.
Além disso, a expansão do transporte informal, aliada com a insatisfação e a abrangência insuficiente do transporte convencional, acaba por notar as falhas do poder público no combate ao clandestino e também na organização do transporte público. Enfatiza nessa questão, os aspectos regulatórios e uma organização definitiva, vinculada também a uma conjuntura vinculada as relações de trabalho e demandas de usuário.
No âmbito habitacional, o transporte alternativo é considerado de extrema importância, que apesar de não resolver o problema de transporte, ainda ocasionando maiores problemáticas, é destacado como uma relação de necessidade e medida temporária para as suas necessidades. A partir disso, é importante pensar os direitos ao serviço, tanto por parte dos seus usuários, quanto dos trabalhadores e permissionários, vinculados a uma questão de eficiência e qualidade.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Gerliane de Sousa. Caminhos em zigue-zague: a dinâmica do Transporte Alternativo nas zonas norte e leste da Cidade de Manaus. 2017, 62f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Geografia) – Universidade do Estado do Amazonas, Manaus.
COSTA, Heloísa Soares de Moura. A ‘’cidade ilegal’’: notas sobre o senso comum e o significado atribuído a ilegalidade. In: BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. As cidades da cidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 145-156.
GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza. A ‘’cidade ilegal’’: espaço de anulação da cidadania. In: BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. As cidades da cidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 157-169.
MAMANI, Hernan Armando. Transporte urbano e informal: quadros da Associação Nacional de Transportes Públicos. Novos Cadernos NAEA, v. 19, n. 3, p. 93-112, 2016.
MENDES, Elen de Oliveira; SORRATINI, José Aparecido. Pólo gerador de viagem: estudo do terminal urbano de ônibus. In: IV Congresso Luso-Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado, Sustentável. 2010, Faro, Portugal.
SANTOS, Gabriel Augusto Nogueira dos; QUARESMA, Rafael de Jesus Correa; PEREIRA, Eduardo Lucas da Silva. Viver distante ou viver melhor: notas sobre o transporte coletivo nos projetos habitacionais de Manaus-AM e Belém-PA. In: V Encontro de Perspectivas, 2019, Manaus. Anais do 5º Encontro de Perspectivas, 2019, p.190-196.
Muitos empreendimentos vinculados ao Minha Casa Minha Vida sao alocados em localidades distantes dos centros urbanos e das populações de maior renda, acentuando a separação de classes dentro de uma mesma cidade. A questão do transporte coletivo ser deficiente nao seria mais um elemento de desigualdade gerado pelo capitalismo para que os mais pobres não possuam acesso aos privilégios que classes mais favorecidas possuem?
ResponderExcluirSara Brigida Farias Ferreira
Olá Sara,
ExcluirAcerca dessa questão, os PMCMV como foram ressaltados, estão nas áreas de expansão urbana da cidade de Manaus, que o vetor atual está para o norte, mesmo em uma construção histórica vinculada ao norte-leste. O transporte, é considerado elemento essencial na construção da cidade, sendo um direito social. Entretanto, as questões da cidade "legal" (como é o caso desses locais), estão inseridos em uma pauta de exclusão das grandes áreas, o que impacta diretamente nas alternativas de transporte, como foi o caso da expansão do transporte alternativo em Manaus, mesmo com a omissão do poder público, o que contribui para o "amenizar" da questão nas localidades.
Espero ter contribuído para o esclarecimento.
Atenciosamente,
Gabriel Augusto Nogueira dos Santos
Bom dia Gabriel,
ResponderExcluirEm primeiro lugar quero te parabenizar pelo texto e pela pesquisa. Muito interessante ver um caso de como se formam soluções próprias quando não há uma política pública completa. Eu queria te perguntar algumas questões que me suscitou o teu estudo. Se entendi corretamente, os serviços de van já existiam, mas apareceram nessa área depois da implantação do residencial MCMV, é isso? Gostaria saber sobre a relação entre os agentes "formais" (empresas que fornecem serviços regulares de ônibus ou taxi) e os "informais". Há complementariedade entre eles, ou é mais uma relação de conflito? Quem são os responsáveis dessas cooperativas? empresários da cidade ou motoristas organizados?
E também fiquei na dúvida de quantos quilómetros há entre os pontos que estão no mapa. Não identifiquei a escala e não soube calcular.
Muito obrigado de novo e parabéns!
Sergio Moreno
Boa Tarde Professor Sérgio, vamos lá as respostas, irei pontuar cada uma das perguntas, para fácil compreensão.
Excluir1) Os serviços do transporte alternativo, são realizados por microônibus, as vans foram proibidas em 2004 e apareceram após a inauguração dos conjuntos em questão, devido a reclamação de moradores. Nesse caso, é importante destacar as concessões já vencidas na época desse processo, o que temos é TACs (Termo de Ajustamento de Conduta), sem uma definição acerca dos processos licitatórios;
2) O serviço seria realizado de forma complementar, mas acabou se tornando em muitas áreas, competitivos devido a falta do serviço convencional e a disputa (visto que esse modal é remunerado de acordo com o número de passageiros), diferente do convencional que é por quilômetro.
3) A organização das cooperativas é a partir da união de permissionários (donos de microônibus próprios ou alugados), a partir da necessidade das primeiras permissões que seriam dadas a partir dessa viabilidade de organização. Em muitos casos, as relações envolvem um ou mais permissionários que detém um maior capital que alugam seus carros e ocorre uma relação contratual entre esse permissionário e o motorista. Em boa parte, os integrantes da cooperativa são os donos de carros e também motoristas.
3) Acerca dos itinerários, a somatória de ida e volta de cada um dos itinerários são mais de 40 quilômetros, tendo como ponto de saída, os residenciais em questão, mas com trocas no sentido de volta nos pontos secundários, neste caso, Grande Vitória, Zumbi, Armando Mendes, que impactam no serviço de volta para os conjuntos, que realizam em formato de linhas circulares.
Espero ter contribuído para o esclarecimento das dúvidas.
Atenciosamente,
Gabriel Augusto Nogueira dos Santos